sexta-feira, 17 de agosto de 2007

ENTREVISTA DE PINTO DA COSTA (CONTINUAÇÃO) - V

Dado tratar-se de uma entrevista bastante extensa, decidi dividi-la em cinco partes.

Se pretende acompanhar toda a entrevista, pela ordem em que foi transmitida e só agora entrou neste blog, sugiro que o faça pela ordem das divisões.

QUINTA E ÚLTIMA PARTE

J: Mas a guerra entre Lisboa e Porto alimentou sempre esta vida do futebol.

PC: Não é a vida do futebol. Eu acho que a guerra Lisboa e Porto não foi criada por mim. Essa guerra só não existe porque o Porto, não o FC Porto, deixou de se impor.

J: Quando é que se deixou de se impor?

PC: Desde sempre. Os Bancos e as Companhias de Seguros transferiram as suas sedes para Lisboa! O que é hoje no Porto tem voz? A senhora hoje se quiser ir do Porto para o Algarve por via aérea, demora seis horas porque tem obrigatoriamente que vir a Lisboa. Com espaço de duas horas de intervalo e mais duas de atraso, lá estão as seis horas. Porquê? Porque o Porto não conta. Qual é a única voz reivindicativa no Porto. Não a de andar a declarar guerra. Eu tenho imensos amigos em Lisboa e cada vez temos cá mais adeptos, cada vez a nossa Delegação está mais forte. Agora ver o Porto a ganhar incomoda a muita gente.

J: Como é que estão as suas relações com o Presidente da Câmara Rui Rio?

PC: Normais. Eu não o conheço e ele não me conhece a mim. Eu não o incomodo e ele não me incomoda a mim. Ele não se mete no meu serviço e eu não me meto no dele, não podia ser mais pacífico!

J: Mas eram mais fáceis as relações com os presidentes anteriores.

PC: Não eram mais fáceis nem mais difíceis. Havia relacionamento com os outros. Quando o Porto era campeão abriam-nos as portas da Câmara e fazia-se lá a festa. Era bonito, era agradável naquela varanda. Este entende que não deve ser assim... é ele que manda. Ele não quer, ignora o FC Porto, desde que não hostilize...pronto, é uma política. Se calhar um dia vou compreender essa política, se um dia verificar que ele vai ser mesmo candidato a Secretário-geral do Partido, que não será com os votos do Porto, será do País, se calhar vou compreender melhor. Neste momento para mim é incompreensível.

J: Surpreendeu-o que tivesse ganho as eleições não tendo o seu apoio?

PC: O Meu apoio? Há sempre um que ganha e nunca nenhum teve o meu apoio. Nunca apoiei nenhum. Fui uma vez a uma sessão, numa reeleição do Dr. Fernando Gomes mas nem sequer era uma sessão de apoio.

J: Tinha relações cordatas com o Dr. Fernando Gomes?

PC: Tinha. Como Presidente da Câmara foi sempre uma pessoa cordata com o FC Porto e abrir as portas da Câmara para mim não tem qualquer interesse. O que eu via da varanda é que chegamos a ter lá 100 mil pessoas, que naquele momento, ricos, pobres e remediados eram todos felizes e tirou-se essa possibilidade do Povo ter uma noite de festa, ter um S. João. Eu não vou dizer se ele está bem ou mal, ele é o Presidente da Câmara... Suponha que no tempo do Dr. Fernando Gomes e Nuno Cardoso faziam uma recepção ao FC Porto e eu não queria... não ia!

J: Como é que estão as suas relações com o seleccionador nacional?

PC: Já não são iguais porque esse conheço e sempre que o vejo cumprimento-o.

J: Mudou de opinião ou não?

PC: Sobre?

J: Sobre Luís Felipe Scolari?

PC: Não. Tenho a mesma. Tenho a opinião de que é um indivíduo extremamente inteligente, sabe motivar e unir um grupo. Costumamos uma vez por ano encontrarmo-nos em casa de um amigo comum e cumprimentamo-nos e falamos. Não quer dizer que eu não tenha opções.

J: Reconhece-lhe mérito?

PC: Reconheço-lhe mérito e acho-o sobretudo uma pessoa inteligente.

J: Mas contestou decisões dele, nomeadamente das escolhas que ele fez e não fez no Porto.

PC: E que não fez. Para mim ainda é um enigma o Vítor Baía, para mim e para toda a gente. Ele era na altura o melhor guarda-redes português. No dia em que foi considerado o melhor guarda-redes da Europa, não foi por mim foi pela UEFA, não era do passado era do presente, não foi convocado.

J: Acha que ele dava um bom treinador para o FC Porto?

PC: Quem?

J: Luís Felipe Scolari

PC: Isso aí já é outra questão. Ser inteligente pode não chegar.

J: E o Vítor Baía?

PC: Treinador?

J: Sim.

PC: A vocação dele não passa por aí.

J: Então está a treina-lo para dirigente?

PC: Eu não sou treinador. Ele já é dirigente. Porque não só faz parte do Conselho Superior como tem um cargo garantido de relações...

J: Mas vimo-lo no campo ao lado do treinador a dar indicações e a falar com os jogadores.

PC: não é correcto. O que viu, como eu fazia quando estava no banco e muitos fazem é incentivar os que estão lá dentro e depois naturalmente dava a impressão que o Vítor é que estava a comandar. Também houve uma fase em que diziam que era eu que comandava a equipa porque os incentivava.

J: Vítor Baía era um bom sucessor para Pinto da Costa na presidência?

PC: Eu costumo dizer que o FC Porto não é uma monarquia. Quem vai escolher não sou eu, são os sócios. Acho que o Vítor Baía tem condições para, se mantiver o interesse e dedicação, ser tudo. Não vou indicar sucessores no futuro. Os candidatos que avancem e os sócios que escolham.

Num naipe de candidatos que hão-de aparecer para me suceder há várias pessoas que eu ficaria satisfeito se as visse como potências sucessores, várias pessoas.

J: Vítor Baía seria uma dessas pessoas?

PC: Vítor Baía pode ser um deles, não vou dizer que há muitas, mas há várias pessoas.

J: Jorge Nuno Pinto da Costa estamos a aproximarmo-nos do fim desta entrevista e eu gostava de lhe pedir um exercício. Que imagem de si é que consegue de ver reflectida no futuro. A de um homem que se emociona ao ver o Papa, que chora publicamente, como aconteceu quando se foi despedir de João Amaral, de um homem que confessa saudades de amigos como Pedroto, por exemplo ou de um dirigente desportivo que foi protagonista numa época de sombras. Que imagem é que acha que vai deixar?

PC: Há uma coisa que não me preocupa da imagem que vou deixar. Falou em coisas que qualquer ser comum e normal possui. Chorar no funeral de um amigo é normal. João Amaral era um grande amigo. Houve um factor extra que me comoveu e marcou muito. Seis dias antes do seu falecimento, telefonei-lhe para o convidar para um jantar de portistas em Lisboa.

João Amaral disse-me “Olhe Presidente, só o senhor é que me fazia sair. Jantar não vou, mas vou-lhe dar um abraço e estar um bocado consigo.” Tinha ele lugar na mesa para esse jantar e quando cheguei informaram-me que João Amaral tinha falecido. É fácil de compreender que isto choca qualquer pessoa e o João Amaral era uma pessoa que gostava e se assumia do FC Porto, mesmo nos lugares mais difíceis. Ele ia às festas da Delegação do Porto e dizia com muita graça “Presidente esteja tranquilo que em Lisboa está seguro, o Presidente da Assembleia Municipal é portista, o Vice Governador Civil é portista, o Bispo das Forças Armadas, D. Januário também é portista. Esteja à vontade que está tudo controlado”. Era uma pessoa com um espírito fantástico que eu gostava muito.

Agora alguém vai ser lembrado por chorar no funeral de um amigo? Alguém será lembrado é se for rir para os funerais. O facto de se emocionar por ver o Papa. Uma pessoa que seja católico e eu sou, gostava e gosto imenso do Papa e acredito que uma das coisas que me dá força é o Papa. Trago sempre uma fotografia dele com um significado especial desse dia. Tenho-a aqui no bolso.

J: Um homem normal com fé, é assim que espera ser...

PC: Qualquer católico que tenha fé não pode deixar de se emocionar se vir um Papa como aquele.

J: Não o preocupa a imagem?

PC: Não me preocupa nada. O que me preocupa são os meus amigos que considero tenham a imagem de aquilo que eu sou. O que os outros dizem ou que escrevem até me dá gozo.

Falou há bocado no Pedroto e eu vou dizer-lhe uma coisa, que também muito me custou.

Pedroto era treinador do FC Porto era super atacado, tinha aquelas frases de “roubos de igreja”, era super atacado. Quando estava doente, eu fui das primeiras pessoas a saber que ele tinha um cancro e ele não sabia. Durou mais dois anos e tal e só ele não sabia. Um dia um articulista da “Bola” escreveu um artigo a dizer bem dele. Ele virou-se para mim e fiquei sem palavras: “Jorge Nuno você já viu este tipo a dizer bem de mim? Não me diga que tenho algum cancro sem saber?”

A mim interessa-me a imagem que vão ter de mim a família, os amigos, as pessoas que privam comigo, as pessoas que me ajudaram, o resto quero lá saber o que pensam.

Eu acho que tenho uma imagem óptima para aquilo que procuram pôr- me como sendo, os bobys, os tarecos, aquele mau. Tudo isso tem uma estratégia.

Para concluir, no dia em que eu falecer vou de consciência tranquilíssima.

J: Senhor Jorge Nuno Pinto da Costa, agradeço a sua presença.

PC: Foi um prazer.

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